MIL COISAS AO MESMO TEMPO, Exposição de Ana Pais Oliveira
Inauguração 20 de Janeiro, 15h / até 09.03.2024
Mil coisas ao mesmo tempo
Todos temos precisamente o mesmo tempo. Ninguém tem mais um minuto por dia. Mas a frase “Não tenho tempo” é a frase deste tempo e é muitas vezes associada a uma ideia de sucesso, eficiência, ocupação, produtividade e sensação de dever cumprido. Mas sucesso é ter tempo. Todos temos o mesmo tempo mas corremos à frente dele sem o ver passar e sem perceber que ele até existe em excesso. Se não fizermos nada, há só tempo e soma de horas. Mas como tudo é excessivo, dos estímulos, à informação, ao trabalho, às distrações que nos dão essa sensação de ocupação ininterrupta, não temos tempo. Continuamos a viver na superabundância de acontecimentos de que nos falou Marc Augé há vinte anos. Augé escreveu sobre a sobremodernidade como um contentor de novas manifestações de solidão associado à velocidade de movimento do indivíduo e à aceleração da história. Hoje, estamos conectados como nunca mas, em simultâneo, distantes, ausentes e sem tempo para ver, estar atento e estar com o outro. Talvez aprisionados ao excesso de informação, assoberbados. Dinâmicos e contactáveis, mas cada um na sua janela ou bolha. Somos utilizadores dos não-lugares definidos por Augé como lugares de transição onde o indivíduo não chega a construir memórias, referências ou significados: autoestradas, aeroportos, estações de serviço ou de comboios, quartos de hotel ou supermercados são lugares de passagem e de utilização rápida e efémera, sítios que utilizamos mas onde não ficamos nem deixamos impressa ou gravada a nossa identidade. São lugares onde nos cruzamos, onde passamos por pessoas que não voltaremos a ver e onde a aceleração governa a falta de atenção ao momento presente. A sobremodernidade de Augé, que caracteriza as transformações nas sociedades ocidentais, é, por sua vez, inseparável da palavra excesso: o excesso de tempo, o excesso de espaço e o excesso da figura do indivíduo, ou de individualismo. Se o excesso de tempo diz respeito à sobrecarga de acontecimentos do mundo contemporâneo, o excesso de espaço refere-se a um mundo com uma nova escala em que, por exemplo, os meios de transporte rápidos tornam uma capital acessível a qualquer outra a poucas horas de distância. Temos um superabundância de espaço ao nosso dispor. Quanto ao excesso do indivíduo, trata-se de uma maior insistência que é colocada na referência individual e valorização do ego, ou na individuação das referências, algo que está implicado num contexto de velocidade de informação e utilização anónima dos não-lugares. Ora, na era das redes sociais a referência individual e a valorização do ego estão exacerbadas. Achamos que todos estão a prestar atenção ao que fazemos, lemos, comemos, visitamos, com quem estamos e o que pensamos, mas estará cada um mais atento ao impacto de si próprio nos outros.
A pintura, essa, necessita de todo o tempo do pintor. O tempo que ele tem e o tempo que ele não tem. Uma exposição faz-nos parar para ver e isso é meio caminho andado para ter tempo. É o sítio onde paramos e ficamos que define a ideia de lugar, enquanto os espaços que continuam a ser espaços implicam a passagem, o movimento, a ausência humana, os deslocamentos do olhar e os esvaziamentos de consciência. Mas um lugar pede que fiquemos e é identitário. O lugar de uma exposição ainda convida, mais do que o habitual, a ficar e a ter ou fazer tempo.
No lado de dentro do meu trabalho, implantado demoradamente neste lugar de exposição, a linha tem, em articulação com um uso teimoso da cor em todo o seu fascínio e desafio, servido uma intenção de desenhar lugares. Dos que são para morar, enfatizando as questões sociais e relacionais da vivência humana, como se os conhecêssemos do dia a dia. Há cada vez menos acessibilidade a lugares para morar e, nesta exposição, apresento um conjunto de trabalhos intitulado “O problema da habitação”, porque uma casa pode ser “a coisa mais séria da vida”, como escreveu Ruy Belo.
Para aqui apresentar esta exposição tive dificuldades com o tempo. Tive que o inventar. Encontrei no desenho com linha, cor, colagem, papel, risco, mancha, padrão, mil recortes a direito e a composição destes lugares para morar, a minha salvação porque, na realidade, era aquilo que queria e precisava de fazer.
A viagem por estes lugares pode ser uma porção de tempo que não está em falta ou em excesso, que não se atropela e que, por isso, poderá não ser condenada ao esquecimento. Pegando nas palavras de Augé, mostro aqui “O plano da casa, as regras da residência, os quarteirões da aldeia, os altares, as praças públicas, o recorte do território” que “correspondem para cada um a um conjunto de possibilidades, de prescrições e de interditos cujo conteúdo é ao mesmo tempo espacial e social”.
Já há muito tempo que queria mostrar o meu trabalho neste lugar em Guimarães, mas aconteceram mil coisas ao mesmo tempo, entretanto.
Ana Pais Oliveira
Janeiro 2024
BIOGRAFIA
Ana Pais Oliveira (1982, Vila Nova de Gaia) vive e trabalha em Espinho. É licenciada em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (2005) e doutorada em Arte e Design – Pintura pela mesma faculdade (2015), com o projeto A cor entre o espaço pictórico e o espaço arquitetónico: processos relacionais nas práticas artísticas contemporâneas. Obteve a Certificação de Mérito por ter obtido a melhor classificação do Curso de 3.º Ciclo em Arte e Design, no ano letivo 2015/2016. É artista residente no FACE – Fórum de Arte e Cultura de Espinho, onde tem o seu atelier e colabora em diversas iniciativas, desde abril de 2016. É membro colaborador do núcleo de investigação em Arte e Design no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade e integrou o projeto de investigação Bases Conceptuais da Investigação em Pintura (2014-2019). Foi bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) entre 2011 e 2015. É também membro do AIC Study Group on Environmental Colour Design e da APcor – Associação Portuguesa da Cor. Fez parte da seleção portuguesa para a Bienal Jovem Criação Europeia 2013/2015, itinerante por nove países europeus, foi selecionada para a XV Convocatória da Galeria Luis Adelantado em Valencia (2013) e venceu o Kunstpreis Young Art Award <33 [colour] da Galeria Art Forum Ute Barth em Zurique, Suíça, onde expôs individualmente no Verão de 2014. Foi também selecionada para a longlist do Solo Award 2016 / London Art Fair 2017, promovido pela Wilson Williams Contemporary Art Gallery, Londres, para o Premio de Pintura Fundação Focus-Abengoa 2017, Sevilha e para a longlist do conhecido Jackson’s Painting Prize 2021 (400 entre 8674 candidaturas a nível mundial). A sua pintura Ar livre #2 foi selecionada para impressão e apresentação no Munsell Centennial Color Symposium no Massachusetts College of Art and Design em Boston (10-15 Junho 2018) e na edição especial do Journal Color Research and Applications. Foi também convidada pelo grupo Desistart para desenhar uma coleção de tapetes de luxo, Perspectives Collection, que foi apresentada pela primeira vez na Maison & Objet 2019, em Paris, e no The Hotel Show Dubai, no Dubai World Trade Centre, Maio de 2021. Foi convidada pelo Vinha Boutique Hotel, hotel de luxo no Porto, para fazer uma obra site specific de 200x500cm, instalada no seu lobby principal. Fez parte dos 25 finalistas do BBA Artist Prize 2022 em Berlim, entre artistas de 12 nacionalidades, onde expôs em junho de 2022, no Kühlhaus Berlin. Ficou entre os 41 finalistas do Prémio de Artes Plásticas Sala de Arte El Brocense, concurso internacional em Cáceres, Espanha, entre mais de 1000 candidaturas.
Venceu o 1º Prémio no XLIX Concurso Internacional de Pintura Homenaje a Rafael Zabaleta, Quesada, Jaén, Espanha. Obteve o Prémio Aquisição dos Amigos da Biblioteca-Museu de Amarante na 9ª Edição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (2013), o 1º Prémio Aveiro Jovem Criador (2009), o 1º Prémio Engenho e Arte (2009), o 3º Prémio no 1º Prémio Jovem de Artes Plásticas da Figueira da Foz (2009), o 1º Prémio Arte XXI 10 (2009) e o 1º Prémio Eixo Atlântico na VIII Bienal Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular (2008), entre outros prémios e menções honrosas de pintura e artes plásticas. Expõe individual e coletivamente desde 2003, em Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, Suíça, França, Alemanha, Brasil, Holanda, Lituânia e Hungria.
Participa regularmente em conferências e seminários, tendo recentemente apresentado o seu trabalho em conferências em Génova, Newcastle, Valencia, Lisboa, Monção e Porto. Foi elemento do júri da IX Bienal Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular (2010), do XXI Encontro Internacional de Estátuas Vivas, Espinho (2017), da secção Short Animation e Experimental Film do FEST – New Directors, New Films Festival, Espinho, 2018 e de uma prova de mestrado na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Foi convidada para fazer a curadoria de duas exposições coletivas integradas na programação da 6ª Bienal Internacional de Arte de Espinho: Show me your face, no Centro Multimeios de Espinho e Paperwork, na Galeria da Junta de Freguesia de Espinho (Abril 2021) e da 7ª Bienal Internacional de Arte de Espinho: O mais íntimo quotidiano, no Centro Multimeios de Espinho e Tens tempo e espaço para criar? Na Galeria da Junta de Freguesia de Espinho (Junho 2023).
A sua obra está representada nas coleções Norlinda e José Lima, S&A, Porto, Museo Zabaleta, Quesada (Jaén, Espanha), Fundação Focus-Abengoa (Sevilha), Banco BPI, Eixo Atlântico, Casa da Cultura/Casa Barbot, Museu Municipal de Espinho, Museu Municipal de Amarante e várias coleções particulares.