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Jardin des Oiseaux, exposição de Emídio Agra
25.01 | até 23.03
Curadoria Paula Parente Pinto
O título da exposição de Emídio Agra (Viana do Castelo, 1968) toma o nome de uma das suas criações, Jardin des oiseaux, sugerindo a memória de um espaço cuja realidade já não é possível fixar.
Compostas com restos de botas, malas, palavras, arames, fios coloridos, cruzetas, fita-cola, fronhas, calças, relógios pintados, fósforos, guarda-chuvas, caixas de fruta, botões ou embalagens perdidas, as construções de Emídio Agra não se parecem com nada que conheçamos. Encadeiam-se produzindo variações, transformações, permutas. Dobram-se e desdobram-se, despertando múltiplas memórias. O mesmo objecto pode assumir-se como uma peça suprematista, desdobrar-se num lençol de cama onde se podem observar as estrelas ou as horas partidas, ou transformar-se no vestido de uma fantasma; e a bisnaga do creme de barbear pode transformam-se numa guilhotina. São composições de objectos, de fragmentos arrancados do quotidiano, espectros de coisas reconhecíveis, ultrapassadas pelas próprias histórias e usos, que deambulam no imaginário.
Raramente vistos, estes objectos-poemas são accionados em performances e mostrados em diálogo com uma série de filmes realizados por Ana Pissarra e José Nascimento, numa exposição acompanhada pela escrita de Mario Campaña, design de Maria João Macedo e curadoria de Paula Parente Pinto. Articulando múltiplas diferenças e afinidades, pretende-se formar uma “comunidade plural”, propõe-se um espaço onde possamos ver, sentir, distinguir e pensar quem somos e o que nos acontece no presente (Fina Birulés, Hannah Arendt: el món en joc). Trata-se, assim, de construir um mundo comum, onde o cinema e as artes plásticas possam ser vistos autonomamente, mas também numa teia de relações, num espaço onde nos podemos comprometer através das histórias que contamos, onde voltam as memórias que pensávamos terem sido apagadas.
São objectos de vários tamanhos, atados com fios quebradiços, finas linhas azuis ou amarelas; que se sopram, espreitam, tocam ou, simplesmente, se olham; que emitem ruídos, estrépitos de maquinaria, mas também assobios, gorjeios, chilros, grasnos; que se colocam no nariz ou nas orelhas, ligam e desligam, desenrolam, enrolam e guardam-se em malas, caixas e gavetas sem fundo. Deslocação contínua entre uma “história individual” e uma “história comum”, estes objectos descartados, frágeis, saem de um amontoado de caixas e malas de viagem trazendo as marcas da experiência histórica, vestígios de oportunidades imaginadas, de oportunidades perdidas. Parecem dizer: ainda podemos escapar à catástrofe.
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Biografia do artista
EMÍDIO AGRA (Viana do Castelo, 1968) é artista plástico, doutorado em Filosofia (Estética) pela Faculdade de Filosofia da Universidade de Barcelona e licenciado em Artes Plásticas-Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Entre as exposições, destaca-se a individual “L’éternité par les astres” (Sismógrafo, 2019), exposição que deu origem a uma publicação com o mesmo título. Participou nas colectivas “Anuário 19” (Galeria Municipal do Porto, 2020) e “Não é ainda o mar” (Sismógrafo, 2018). É curador do ciclo de conferências “Imagens de Pensamento”, organizado pelo Sismógrafo desde 2020, editor e tradutor dos Cadernos Imagens de Pensamento. Desenvolve o seu trabalho artístico “quase secretamente”, afastado do ruído da arte contemporânea, produzindo uma obra radicalmente comprometida com o presente e com um mundo plural. Uma obra construída por fragmentos, em que o tempo se pauta tanto pela memória como pela expectativa, onde o presente se experimenta com diferentes tempos. Nas palavras de Karen Blixen, “sem repetirmos a vida na imaginação, não podemos, de todo, estar vivos” e, à pergunta “de que tratam estas obras?” também poderíamos responder “contando uma história”.
Filmes
Ana Pissarra (Lisboa, 1968) tem formação artística – Independent Art Studies Program Maumaus, cinema na New York Film Academy (NYFA) e pintura Ar.Co Lisboa. Trabalha regularmente para a televisão e cinema e desenvolve actividade como artista visual. Filmografia seleccionada: a) cinema e televisão: Brisa Solar – série documental, RTP2 /Internacional | ante estreia Cinemateca Portuguesa; Naçara- 2023, documentário, RTP2/Nos Lusomundo; Diante do Tempo, série documental, 2024, RTP2/Nos Lusomundo; O Povo das Pedras, 2024. b) arte contemporânea: Neptunismo – Ficção, exibição Maus-Hábitos Porto, Museu Júlio Pomar, MNAC Museu de Arte Contemporânea de Lisboa; Passagen- Werk (Passar-a-Ferro) 30’, projeção dupla, Round the Corner; Na contraluz da Diferença, com José Gil, Torre do Tombo. Exposições seleccionadas: Studiolo XXI, Desenho e afinidades 2019 (exp. colectiva), Fundação Eugénio de Almeida; Estratégias para de[mu]rar o Tempo (exp. colectiva) Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio; Arminda, 2010 Goethe-Institut, Noli me Tangere, 2016 (exp. colectiva) Casa-Museu Anastácio Gonçalves; Musas em Ação nas Viagens (exp. colectiva) Casa-Museu Abel Salazar 2022; IV Morte pela Água, Quase galeria, 2023; Muitas vezes marquei encontro comigo próprio no ponto zero 2019 (exp. Colectiva), Museu Júlio Pomar; Taking the Measure of Stupidity, livro de artista; Hetero q.b, Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (exp. colectiva); Mandei-o matar porque não havia razão, Torre do Tombo, 2011 in catálogo da exposição, Fenda, 2012, Objectos Pós-Modernistas à Venda na Feira da Ladra (com Lara Portela). Projectos curatoriais: Coordenadora em Lisboa do espaço 22Atelier (2013 – 2018) – ateliers para artistas visuais, workshops e exposições, são exemplos: O Gabinete, curadoria de Emília Tavares, Habitar Teus Olhos, curadoria de Fátima Lambert, Reliquiae de Saulo Araújo e Aparições e Desaparecimentos de Teresa Huertas. Em 2023, faz curadoria com José Nascimento de Cinematografia no espaço Duplacena 77, Lisboa. Mais informações em: anapissarra.com
José Nascimento (Lisboa, 1947) foi sócio fundador da Cinequipa e professor de Montagem na Escola Superior de Cinema do Conservatório Nacional. Realiza a primeira longa-metragem de ficção “Repórter X” em 1986, sobre Reinaldo Ferreira, jornalista famoso nos anos 20; realiza com Augusto Seabra o documentário integrado na série “Écran” sobre Manoel de Oliveira, faz para a televisão os magazines de artes plásticas “TV Artes” com Rui Chafes, Cabrita Reis, etc (https://arquivos.rtp.pt/programas/tv-artes/), “Ecran”; a série “Binário” e “Ensaio e Impacto”, com colaboração literária de Alexandre O’Neill, Álvaro Guerra e Alface. Monta vários filmes, entre eles, “Cerromaior” de Luís Filipe Rocha, “O Bobo” de José Álvaro Morais e “Aqui na Terra” de João Botelho. Em 2000 realiza “Tarde Demais”, escolhido como melhor filme de 2001 e candidato às nomeações para Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares 2001. Retoma ao cinema com a longa-metragem “Os Lobos” (2006). Em 2016 realiza o documentário “Silêncios do Olhar” sobre a vida e obra de José Álvaro de Morais e termina a série de televisão de 3 episódios “Brisa Solar” sobre as vivências na arquitetura colonial de Moçambique, co-realizado com Ana Pissarra. Em 2022 realiza a longa-metragem de ficção, “A Casa Flutuante”, estória de uma índia brasileira emigrante em Portugal. Acaba de finalizar o documentário “NAÇARA, Uma e Outra Vez”, com Ana Pissarra, sobre o breve colonialismo árabe português. Encontra-se em rodagem com o projeto documental “DIANTE DO TEMPO”, sobre o mito na religião popular portuguesa. Em arte e ensaio, fez o filme “T2 Quarto Andar”, com João Galante, Sara Vaz e Nuno Melo. Produção DuplaCena/ Temps d’Images/ CCB Prémios e Festivais: Temps d’Images 2007 e Shortcutz Lisboa. Em 2021, filmou “A Luz de Lisboa” para a Exposição “Um Esqueleto Entra no Bar…”, de Paulo Lisboa – Fundação Leal Rios UMA LULIK – Miguel Rios. Mais informações em: www.josenascimento.com
Biografia da curadora
PAULA PINTO (Porto, 1/09/1971) é formada em Artes Plásticas-Escultura pela Faculdade de Belas Artes na Universidade do Porto (1998), obteve o grau de Mestre em Cultura Urbana atribuído pela Universidade Politécnica da Catalunha (2004) e concluiu o Doutoramento em Estudos Visuais e Culturais na Universidade de Rochester, Nova Iorque (2016). Trabalha sobre cruzamentos disciplinares entre a dança, fotografias, artes plásticas, cinema/ vídeo e performance, interessando-se particularmente por arquivos de artistas, críticos de arte e instituições culturais. É curadora independente desde 2010 e publicou vários livros.
Em 2021 fundou o Performing the Archive (Porto), espaço aberto de trabalho, um manifesto sobre a forma como o arquivo pode ser dinamizado com o objectivo de reflectir futuros usos e novas abordagens críticas sobre os suportes e práticas artísticas, bem como as revoluções que deles emanam. Nesse mesmo ano constituiu o website performingthearchive.com, uma plataforma de inscrição de práticas e documentos visuais e culturais relacionados com a performance-arte. Em 2023 inicia o projeto de residências artísticas e acolhimento de visitantes ao Performing the Archive, num espaço dedicado à programação de performances, visualizações de filmes, laboratórios de investigação e apresentação de concertos e exposições.