CORRESPONDÊNCIAS
Inauguração 12 Dezembro 16h / até 16 Janeiro 2016
Concepção e Progamação: Eduarda Neves
Em excerto de carta datada de 5 de Junho de 1977, incluída na obra LA CARTE POSTALE, diz Jacques Derrida: “ O que prefiro no cartão postal é que não sabemos o que está à frente e o que está atrás, aqui ou ali, próximo ou distante, Platão ou Sócrates, o verso ou o reverso. Tão pouco o que mais importa, se a imagem ou o texto, se dentro do texto, a mensagem ou a direcção.”
É este fragmento que se constitui como referência para o projecto CORRESPONDÊNCIAS que aqui apresentamos.
Publicada em 1980, em França, LA CARTE POSTALE enquadra-se na crítica operada por Jacques Derrida à tradição filosófica ocidental. Apesar do seu reconhecido carácter marcadamente intertextual e meta-literário, este texto não se dissocia, porém, de uma atitude política.
Esta obra, e sem pretendermos aqui explicitar o chamado pensamento da Diferença, enquadra-se nessa operação que visa desconjuntar um sistema tornando visíveis a(s) sua(s) lógica(s), desconstruindo o pensamento logocêntrico, binário, as oposições da cultura ocidental: bem|mal, verdadeiro|falso, certo|errado, natureza|cultura, alma|corpo, claro|escuro, racional|irracional…
Como bem disse Derrida, sem “logoi”(conceitos) não existe nenhuma classe especial de conexões que seja especialmente “lógica”. Torna-se imperativo forçar a linguagem, quebrá-la, desfigurá-la, forçar os conceitos a dizer outra coisa.
Neste movimento contra a origem, estabelecendo as condições da sua impossibilidade, filiamos o cartão-postal como carta aberta, sem segredo, sem frente nem verso, sem contraste entre metafórico e literal, retórica e lógica . Figura que trabalha no discurso.
A partir deste quadro teórico-crítico propomo-nos desenvolver o projecto CORRESPONDÊNCIAS, numa dupla vertente, a saber: (1) programação de seis exposições na área preponderante das artes plásticas com uma aposta clara na descentralização; (2) organização de um Colóquio Internacional com o título DESTINATÁRIO DESCONHECIDO.
Tendo como ponto de partida as afirmações de Jacques Derrida e no âmbito do projecto expositivo, não se pretende que o cartão-postal seja interpretado como simples meio de informação mas como produção de subjectividade, processo e vivência, ele próprio agenciamento de CORRESPONDÊNCIA. Não é apenas o carácter linguístico, gramatical ou retórico desta noção que nos propomos explorar mas sim o valor de uso que ela pode adquirir quando inscrita numa cadeia de situações possíveis. Metáfora da igualdade, sem frente nem verso, aqui ou ali, imagem ou texto, o cartão-postal situa-se neste tráfego da correspondência enviada, recebida, registada, desviada, devolvida, roubada, extraviada, anónima, confidencial, inviolável; correspondência é também ligação, comunicação, relação, percurso, viagem, trajecto, complementaridade, reciprocidade. Tantas formas, tantos usos, tal como o “significado” que repousa em conexões de todo o tipo, entre elementos da linguagem e das nossas interacções linguísticas com o mundo. Consideraremos ainda, à maneira derridiana, a singularidade do direito ao segredo como direito político: a comunicação e o seu contrário, o Outro e o Mesmo, CORRESPONDÊNCIAS. Numa época em que tudo se quer claro para ser comunicável, onde o segredo não tem lugar quando é obrigado a ceder ao totalitarismo do espaço público, ao excesso da confissão pública, reivindicar-se-á a possibilidade da incomunicabilidade como ferramenta de resistência.
A partir destes pressupostos conceptuais cinco artistas desenvolverão um projecto expositivo que equacione as relações entre agenciamentos de circulação, comunicação e trajectórias espaciais; introduzir o desvio, o desconhecido e o imprevisto nas obras construídas. Cinco artistas para seis espaços, em relação a cujas obras – situadas na condição da correspondência – conhecemos o ponto de partida mas não controlamos, a priori, o percurso e o ponto de chegada. Carta, cartão-postal, telecomunicação, segredo, é sempre da palavra que se trata. CORRESPONDÊNCIAS sem frente nem verso, apenas trajectos.
Propomo-nos fazer circular ambivalências, quebrar direcções e correspondências entre partida e chegada, princípio e fim, obra e espaço, significado e significante.
À semelhança de um cartão-postal que aqui se configura como dispositivo produtor de subjectividade, pretende-se tornar este processo num processo vivido, acreditando à maneira Deleuziana que a produção artística não é comunicação, mas resistência. Mais interruptores e menos controle.
É nesse percurso que cada um se descobre, nesse trajecto orientado para um DESTINATÁRIO DESCONHECIDO.
Com esta designação, procuraremos centrar o debate em torno das várias mistificações do Outro, seja ele, político, sexual, cultural ou étnico e a cuja celebração assistimos desde as últimas décadas do século passado. Como lugar mítico da alteridade, este DESTINATÁRIO DESCONHECIDO, afigura-se, não raras vezes, como uma construção teórica do artista, do historiador, do filósofo, do crítico, atravessando as suas próprias representações e enunciados. Em Exposições e Bienais de Arte, Encontros, Estudos e Debates académicos financiados, o Outro é colocado/deslocado para o espaço do mercado emergente que aí parece ter encontrado o seu Outro-emergente, recodificando os significados e inscrevendo-os em novas identidades.
Memória e escrita da História conferirão corpo à temporalidade. Entre as críticas a uma arte etiquetada, designada como arte brasileira, africana, asiática( entre outros tantos exemplos), as questões identitárias e os jogos espaciais em duas capitais africanas, a construção social da memória da opressão no caso salazarista, procurar-se-á ainda reflectir sobre o facto de as minorias não terem modelo nem se distinguirem das maiorias pelo número. A fobia ao estranho, seja ele o que e quem for, nunca se sustentou em razões de quantidade.
Como um cartão-postal, procuraremos tornar o discurso exterior a qualquer forma binária. Não se trata da defesa de um Outro absoluto mas de pensar um DESTINATÁRIO DESCONHECIDO, sem direcção precisa, sem nacionalidade. Como a Arte, como um Igual.
As comunicações apresentadas serão objecto de publicação impressa, bilingue, (PT e EN) na forma de um catálogo/livro que contempla ainda os registos das imagens das exposições. A publicação tem o apoio financeiro do Grupo de Arte e Estudos Críticos do Centro de Estudos Arnaldo Araújo (entidade parceira na co-organização do Colóquio) e da Escola Superior Artística do Porto.
A publicação bilingue optimiza o trabalho desenvolvido na medida em que permite uma projecção internacional da reflexão crítica e da produção artística realizadas .